11.5.10

O Nascimento da Fome

A boca se abriu, bem redonda e perfeita. Aos poucos, uma espuma branca e grossa começou a se formar nos cantos laterais. Essa espuma, borbulhante, foi escorrendo lentamente de cada lado e se juntou na base do queixo formando um fio viscoso, semi-transparente; o fio foi se alongando, descendo, descendo, até pousar na base do prato, criando uma pequena poça de água gelatinosa.

Os olhos, se arregalaram estranhamente, deixando as órbitas um pouco saltadas para fora. Agora o olho está mirando o prato vazio, bem no seu centro, a poça. Aqueles olhos não conseguiam se fechar, os cílios formavam uma moldura também perfeitamente redonda. Imperturbável, seco, sem lágrimas. Olhos estatelados, vidrados no nada daquela cerâmica branca, igualmente circular. Em uma tentativa de lubrificação, rapidamente as pálpebras se fecharam para logo em seguida abrir novamente, e de novo, a cada poucos minutos. Em cada piscada, nada mudava. A esterilidade do prato parecia eterna.

Uma língua rosa e muscular saltou por entre os dentes, lambendo finalmente aquele resto de baba, olhos piscam, silêncio, o ambiente se amplia e tudo parece muito maior. O ouvido direito, que antes estava adormecido, agora fica atento, acompanha ao fundo o som grave e baixo do vapor saindo de alguma panela. O agudo e quebradiço frigir do alho na manteiga. A espera é amarga, pensaria, se assim pudesse pensar. A mão que antes estava parada agora segura com firmeza a colher, com ela, bate no prato, na mesinha. A outra mão sacode, impaciente, o guardanapo de pano.

A porta da cozinha finalmente se abre, inundando a sala de jantar com uma onde densa de perfumes quentes, salgados, acebolados. Os olhos então páram fixos naquela porta, o coração bate doce dentro do peito, as mãos agora sacodem o ar. E então eis que surge imaculada em um avental branco, a mãe. A cabeça toda olha para um lugar só, esperando aquele corpo grande se aproximar. Primeiro sente alegria e em seguida, ao ver que ela nada trazia nas mãos, seu rosto se contorce levemente de desgosto. Dá, dáááá. Ergue os dois braços. Me tira daqui, me leva.

Quando a mãe finalmente o tira da cadeirinha, já não pode mais esperar, com força, tenta puxar a gola da mãe, levando a cabeça diretamente para os peitos, lindos, salientes, cheios de leite. Ma-ma, ma-ma. A boca volta a salivar, agora, na blusa da mãe. Não filho! Não vai mamar, não. Papinha. Tenta novamente, tudo o que quer agora é leite, é chupar com toda a força e ansiedade, a única coisa que não precisaria nunca ter que esperar, pois já estava lá, desde seu nascimento. Sem sucesso, sua cabeça pende cansada no ombro, rola para um lado e para o outro, fazendo da testa um pendulo. Numa última tentativa desesperada, crava seus dois únicos dentes na carne materna. Dá, dááá. Será isso a fome?

Sua mãe o segura com firmeza, sente um suspiro passar ao longo do seu pescoço. Agora está sendo levado para dentro da cozinha, o calor aumenta. Não pode ver o que acontece à suas costa, mas percebe tensão. O tilintar de algumas panelas, a colher raspa o que parece ser um fundo de metal. Cheiro de coisa queimada. Por algum motivo, começa a chorar. Shhh, quietinho, a mamãe queimou o arroz. Agora quer voltar para a cadeira, quer ficar longe do fogão, alguma coisa espirrou nas suas pernas e a dor é a mesma que a da agulha do médico. Shhh, o consolo vem em forma de cenoura crua.

Ah, aquilo deveria ser fome. Mastigava com desespero a cenoura que estava bem doce e crocante. Seus dentes não chegam a mastigar, mas sugam com força o caldo. Para demonstrar satisfação, joga a cenoura na parede. Dá-dááá. E ri alto, bem agudo. Agora seus olhos buscam os olhos da mãe, se pergunta onde foi parar a cenourinha, que estava bem aqui, nas suas mãos. Sua boca demonstra insatisfação aponta pra panela, dáááá. Não entende. Dentro dele algo arde com insistência, a fome é de lascar, nada pode fazer. Joga a cabeça mole para traz; primeira um suspiro para logo gritar a plenos pulmões. Revolta e dor.

Com delicadeza a mãe envolve sua cabeça com uma de suas mãos, tentando consolar o inconsolável. O outro braço envolve seu pequeno corpo e agora, ele pode ver o teto com mais clareza. Os olhos dão voltas nas órbitas, teto, mãe, peito, se contorce um pouco e pode ver o fogão, sua testa franze. Vem, vamos mamar, shhh, quietinho. A mão que estava em sua nuca agora puxa a camisa para baixo e deixa a mostra um grande peito cheio de leite. O bico rosado é da cor de sua boca. Tudo se faz paz, tudo é sereno. Suas bochechas começam a corar, a boca saliva agora mais do que nunca, bem aberta, ela envolve o peito e com obstinação de quem sabe o que faz começa a chupar. Às vezes vira o rosto e solta o bico, respira fundo e recomeça.

A vida poderia acabar aqui, pensaria. Olha para o rosto da mãe com serenidade e amor. Seus olhos começam a fechar, um pouco do leite quente escorre pela lateral de seu pescoço e encosta na sua orelha. Aos poucos, o som da panela de pressão já quase não se houve, com um pano de prato limpo, sua mãe cobre seu rosto. Pena que não pode ver o sorriso de sua mãe, que agora o leva de volta ao berço e se corre para tirar a carne que assa no forno.

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