Agora estou no Cindy's, um café sem estilo com cara de café de filme americano. De fundo o rádio toca Maryah Carey e à minha frente, pessoas devoram seus sanduíches de presunto com queijo e cole slaw - uma salada de repolho que fede a peixe, pelo menos aqui. As poltronas são laranja e o tapete verde esconde a sujeira que eu ainda vejo se viro meu rosto para o vão da porta da cozinha ao meu lado. Flores de plástico estão penduradas nas esquinas do teto, e como sugestão do dia, pratos asiáticos escritos em folha de papel colada sobre o bar - os novos donos do local são uma família de chineses/coreanos/tailandeses.
Estou em Los Angeles. E tudo aqui soa distante de mim.
Estou em Los Angeles. E tudo aqui soa distante de mim.
Bebo meu café com todo cuidado, pois isto é tudo que me pertence. Nessa cidade, me sinto desconectada, vejo as pessoas perto de mim mas é como se estivessem envolvidas numa fina camada de plástico: eu posso ouvi-las, mas não consigo senti-las.
Estou sempre viajando e nunca tive medo de estar só em lugar desconhecido. Mas por alguma razão inexplicável, aqui nesta cidade, me sinto mais estranha que nunca. A onde moro é distante do centro, colaborando ainda mais para o meu afastamento. As ruas ficam vazias a noite, e o bar mais próximo, The Black Boar, se parece com uma caixa de concreto medieval onde cervejas mais pra ordinárias que espetaculares são servidas sem nenhum petisco, e o vinho da casa tem gosto de água com sabão. Na minha casa não tem internet, na esquina um Taco Bells me lembra da decadência do país e o café mais charmoso é o StarBucks. A diversão então é pensar e pensar e andar.
E quando ando pelo bairro, me sinto mais feliz. As casas tem jardim externo - muito diferente da apavorada São Paulo, onde as pessoas escondem suas vidas atrás de muros de concreto : quanto mais rico o bairro, mais alto o muro. O solo da Califórnia é forte e nutritivo, aqui tudo cresce. As plantas são altas, as flores se abrem em cachos enormes. As casa são bem cuidadas, idem seus jardins. Na varanda, vasinhos de flores coloridas cercam as muretas brancas. No gramado da calçada, cada um cria a sua própria versão de jardim montando mosaicos com maçãs, mini abóboras e laranjeiras.
Ah, as laranjeiras. Tão robustas e cheias como nunca vi. As frutas se penduram bojudas nos galhos frágeis e balançam morosamente ao vento. Cada casa tem um pé de laranjeira, ou limoeiro, ou toranjas que desprendem um cheiro agridoce e terroso. E quando olho pra elas, me sinto em casa. Me sinto como uma laranja e quero também estar amontoada com os meus sob a sombra que consola aqueles que estão sem pátria.
Retribuo com um sorriso as lembranças que elas me geram. Lembrança da fazenda do meu avô, eu e minha prima correndo e descobrindo o pomar atrás da sede. Catando laranjas e mexericas ou então, espremendo elas sob nossas botinas até sentir o cheiro viscoso de podridão. Dentro de mim, a sensação de sentar no tronco do pé de seriguela, quase morto e doente, e tentar chupar alguma fruta que ainda insiste em nascer. Minha avó descascando laranjas e fazendo um furo no centro para que a gente possa chupar seu caldo e depois comer o bagaço, com amor e paciência, ela descascou tantas laranjas quanto posso me lembrar, por tantos verões, fomos alimentadas no fim de toda tarde por essa fruta, e ríamos e conversávamos e tudo ao redor era terra, pasto e felicidade.
No Eldorado do mundo, as laranjas são o ouro soberano. Aqui, mesmo na mais corrompida cidade, onde tudo ganha vida dentro do cinema mas por fora, o concreto e a multitude de luzes coloridas criam um cenário exótico e estranho, as laranjas crescem puras, refletindo o sol da Califórnia em sua casca lisa, como se num eterno estado de êxtase.
Cansada, me sento sob a sombra de uma delas, humildemente colho um fruto e com a força dos dentes rompo a sua pele. O ácido queima a minha boca e entra em meus olhos, na minha camisa, lágrimas e suco escorrem em direção ao chão. Não estou mais só.
2 comentários:
Tocante toda essa descrição Paloma. Vi você, sentada, sozinha, debaixo de uma laranjeira e com saudades daquí.
Um abraço forte!
Força mesmo ai uma terra de muitas laranjas, ainda muito suco vem da terrinha aqui.
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